Dificilmente uma cinebiografia deixa de abrir mão de elementos ficcionais, ou para adequar a história do personagem à visão do cineasta ou para que o público não corra das salas de exibição. Por isso deixa-se de lado questões polêmicas e se enfatiza o lado heróico do protagonista para criar empatia com a audiência. Tais escolhas de roteiro podem ser vistas em filmes como Gandhi, Warm Springs e outras cinebiografias que ajudam a reforçar a aura de mito em torno de seus heróis.
Coco Antes de Chanel (França, 2009) não é diferente. O filme de Anne Fontaine engloba apenas os anos da juventude de Gabrielle Chanel, antes de se tornar a grande estilista do século XX, a mulher que reinventou a moda para um mundo diferente. Em Coco Antes de Chanel, Gabrielle é apenas Coco (Audrey Tatou), uma jovem abandonada pelo pai em um orfanato, que juntamente com sua irmã tenta ganhar a vida costurando em um ateliê durante o dia e cantando em um cabaré à noite, no interior da França. Ela conhece Balsan (Benoît Poelvoorde), um playboy que logo se encanta por sua sinceridade e simplicidade. Eles têm uma noite de amor e ele parte para sua mansão. Coco decide ir atrás dele, mas suas motivações nunca ficam claras; não sabemos se foi por amor ou uma mera intenção de ter quem a sustentasse. O fato é que o filme se desenrola praticamente todo a partir daí, com o surgimento de um triângulo amoroso - incluindo a chegada de Arthur 'Boy' Capel (Alessandro Nivola), um inglês empresário do ramo de carvão que se apaixona por Coco, e o sentimento é recíproco.
A diretora Anne Fontaine faz de sua cinebiografia de Chanel uma história de costumes, que retrata com maestria toda a futilidade da vida da aristocracia francesa, uma existência regada a orgias, champanhe e nada mais a fazer. A Coco Chanel de Audrey Tatou mostra-se enojada de toda essa vida e percebe que seu fim será se contentar com uma vida como mera amante de um ricaço, sem nunca depender somente de si mesma. Durante todo o filme vemos a protagonista demonstrando todo esse incômodo com a sociedade à qual faz parte, criticando o modo de vestir de todas as mulheres (ora enfeitadas demais, com muitas joias, sem personalidade); em uma cena emblemática da filosofia que norteou toda sua carreira, Chanel deve fazer um vestido para um baile; ela foge totalmente do padrão de moda da época, e institui ali o 'pretinho básico', o tipo de roupa para noite que hoje é padrão de beleza. É interessante ver Chanel dançando com seu vestido preto lindo, em meio a tantas outras mulheres com seus indefectíveis trajes rosa, todas praticamente iguais, indistinguíveis.
Coco Antes de Chanel é um bom filme, apesar de deixar de lado as polêmicas da vida de sua heroína, como seu caso com um nazista durante a 2ª Guerra Mundial, e sua fuga para a Suíça, onde viveram por alguns anos. Ausência de polêmicas à parte, o filme funciona bem como crônica de costumes, e termina com o eventual surgimento da grande Chanel, a estilista que mudou a mulher do século XX e ditou moda com sua grife (que ainda hoje leva seu nome).
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