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O Nevoeiro

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Depois de assistir a O Nevoeiro a gente tem que passar um tempo para se recuperar de algumas das imagens mais fortes a serem filmadas na história das adaptações de histórias de terror. Este é um daqueles filmes "ame ou odeie", uma vez que não se trata de uma produção fácil de ser digerida, especialmente pelo seu final, que vai na contramão de tudo o que se espera de um filme sobre o fim (ou seria recomeço?) do mundo.
Depois de uma tempestade muito forte em uma cidade americana do interior que fica próxima a uma base militar, um misterioso nevoeiro se aproxima do lugar. Enquanto a névoa sinistra está chegando, um pai e seu filho vão a um mercado comprar suprimentos, caso a tempestade retorne. O problema começa quando alguma coisa começa a matar qualquer um que esteja dentro do nevoeiro, fazendo com que todos dentro do mercado permaneçam ali mesmo enquanto a situação não é esclarecida.

A direção segura de Frank Darabont (Um Sonho de Liberdade, À Espera de Um Milagre) não apenas respeita a obra original, um conto de Stephen King, como presta uma homenagem de categoria aos filmes B dos anos 1970, recheados de monstros e conflitos mortais entre os personagens assolados pelo medo e pela incerteza.

Além disso, há um paralelo bem claro entre este O Nevoeiro e Ensaio Sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles. Ambos tratam de um apocalipse, e como as pessoas comuns reagem em situações limite, embora o filme de Meirelles passa longe de ser um terrorzão dos bons, como este de Darabont. Há cenas de prender a respiração, gritar de susto, roer as unhas e até comemorar. Talvez por isso este filme se encaixe perfeitamente na minha lista dos melhores filmes vistos por mim este ano.

A conclusão que chegamos depois de assistir aos dois filmes é a de que o ser humano não resiste ao sentimento mais paralisante e modificador que existe: o medo. E isso nos assusta.

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Ensaio Sobre a Cegueira

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Depois de uma expectativa que durou cerca de dois anos, finalmente pude assistir Ensaio Sobre a Cegueira, aguardada adaptação da obra de José Saramago, realizada pelo diretor Fernando Meirelles. E nada melhor do que assistir ao filme com alguém que é fascinado pela literatura portuguesa, neste caso, meu amigo Elias, que a cada cena parecia mais e mais emocionado. Depois de assistir e pesquisar em fóruns da internet em busca das opiniões de outras pessoas, foi fácil entender porque os americanos receberam este filmaço tão friamente. Não se trata de um filme fácil de acompanhar, especialmente para quem está acostumado a outro tipo de fim de mundo - aquele que se passa em Nova York e que é apinhado de toda espécie de efeito digital, algo como Eu Sou a Lenda, com Will SMith (e Alice Braga).
Em Cegueira, o fim do mundo acontece em uma cidade sem nome (cujas paisagens urbanas foram captadas com maestria em Toronto, São Paulo e Tóquio), com pessoas cujos nomes também não são mencionados. Não dá para um público pasteurizado como é o dos Estados Unidos entender uma história sem ter um herói (com um nome) que lute pela sobrevivência do "sonho americano". Não há nada neste filme que o assemelhe a uma produção hollywoodiana, a não ser é claro o elenco, composto por Julianne Moore, Mark Ruffalo, Danny Glover, Alice Braga, Gael Garcia Bernal e Maury Chaykin.
A produção acompanha a história de uma intrigante epidemia de uma espécie de cegueira branca, que começa com um japonês yuppie e se espalha por todo o país. Logo que se constata a epidemia, os contaminados são enviados a um hospício desativado, onde ficarão em quarentena. Logo de cara percebe-se um grupo heterogêneo, cuja única identificação é um número e uma profissão. Os nomes enquanto identidades externas não importam para quem só consegue enxergar (ou imaginar) o interior do outro. No grupo estão o primeiro contagiado, o oftalmologista que o atendeu, sua esposa (como a única que enxerga mas tem que fingir que não vê para acompanhar o marido) e outros que de alguma maneira se relacionaram com o japonês que deu início a tudo. Não demora muito e a quarentena parece pior do que um campo de concentração nazista: imundície por todos os lados, banheiros podres, urina e fezes espalhados pelos corredores.
Como se não fosse o bastante, um homem que se denomina o Rei da Ala 3 (Gael Garcia Bernal) decide tomar o controle da comida destinada aos doentes. Ele possui uma arma, o que o habilita a tomar o poder e infligir horrores que só alguém com a alma cega poderia impor.
Temos em Ensaio Sobre a Cegueira uma alegoria genial, filmada brilhantemente e contada com perfeição que até as cenas mais polêmicas e antecipadas semanas antes do lançamento são vistas como sequência (e consequência) de tudo o que se viu até ali. Há momentos nos quais a brancura das imagens é tão clara que até o espectador se sente cego, compartilhando do desespero dos personagens. Em uma cena emblemática, o menino que se perdeu dos pais depois de ter perdido a visão está andando pela enfermaria da quarentena, certo de que perto da porta de saída há uma cama baixa, e é o que nós vemos; mas logo que se aproxima do que seria a cama, a imagem mostra uma mesa alta, enganando não apenas o ator, mas a todos os que viram primeiramente a cama. Um toque de gênio, dentre os muitos artifícios que Meirelles usa para envolver o público.
Julianne Moore, com sua atuação contida a princípio e cheia de energia e vitalidade posteriormente, merece um Oscar. Prêmio que não deve ganhar, uma vez que o filme foi um fracasso na terra do Tio Sam.

Em suma, o que se enxerga em Ensaio Sobre a Cegueira é muito mais do que mais um filme apocalíptico.
Pode haver lágrimas, asco, risos, rancor, mas no fim o que prevalece neste filme é a esperança.

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Lado B

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Já faz muito tempo desde que praticamente extinguiram o disco de vinil, carinhosamente chamado de "bolachão". Era a melhor maneira de se desfrutar verdadeiramente de uma obra produzida por um artista, afinal, não se tratava apenas de música. Era mais, era todo um projeto, desde as composições até a arte do álbum (daí ser chamado de álbum cada disco de um artista), pois havia discos que eram verdadeiras obras de arte: capas duplas, castelos em alto relevo, discos coloridos... Verdadeiras experiências sensoriais. A gente tocava, cheirava, apalpava, sentia muito além da simples audição que utilizamos para experimentar um moderno CD, ou pior ainda: um MP3 player.

Mas uma coisa que me chamava atenção nos vinis era a possibilidade que cada cantor ou banda tinha de mostrar algo além dos óbvios hits radiofônicos. No bolachão havia o lado B, onde o artista colocava aquelas músicas que ele gostava muito, mas que não tinham potencial para tocar nas rádios. O lado B representava uma saída artística utilizada e amada com afinco pelos intérpretes das canções. O lado A era um chamariz para o público, que comprava o disco para ouvir o sucesso do momento, mas acabava se deparando com o lado B, que era a chance para o fã conhecer quem era seu ídolo verdadeiramente, sem vernizes técnicos, sem preocupações em agradar o mercado, apenas ele de corpo e alma.

A vida também tem seu lado B. Cada um de nós temos este outro lado, melhor, mais livre, sem amarras profissionais ou técnicas. Neste nosso lado B não precisamos ser alguém que exista só para agradar os outros, os ouvintes da vida. Podemos ser realmente felizes enquanto artistas do palco da existência. Quem dera vivêssemos sempre no lado B! Sem pressões, sem exigências, somente nós mesmos, amando, escrevendo, agindo, cantando, dançando, correndo, sorrindo, chorando, orando. Simplesmente nós.

E quem nos amou primeiramente pelos nossos grandes sucessos, quando descobrir que somos pessoas comuns, com muitos defeitos (afinal não passamos por nenhum processo mercadológico) mas também repletos de virtudes, continuará amando. Afinal, o lado B é bem, bem melhor que o lado A.

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