
Em Cegueira, o fim do mundo acontece em uma cidade sem nome (cujas paisagens urbanas foram captadas com maestria em Toronto, São Paulo e Tóquio), com pessoas cujos nomes também não são mencionados. Não dá para um público pasteurizado como é o dos Estados Unidos entender uma história sem ter um herói (com um nome) que lute pela sobrevivência do "sonho americano". Não há nada neste filme que o assemelhe a uma produção hollywoodiana, a não ser é claro o elenco, composto por Julianne Moore, Mark Ruffalo, Danny Glover, Alice Braga, Gael Garcia Bernal e Maury Chaykin.
A produção acompanha a história de uma intrigante epidemia de uma espécie de cegueira branca, que começa com um japonês yuppie e se espalha por todo o país. Logo que se constata a epidemia, os contaminados são enviados a um hospício desativado, onde ficarão em quarentena. Logo de cara percebe-se um grupo heterogêneo, cuja única identificação é um número e uma profissão. Os nomes enquanto identidades externas não importam para quem só consegue enxergar (ou imaginar) o interior do outro. No grupo estão o primeiro contagiado, o oftalmologista que o atendeu, sua esposa (como a única que enxerga mas tem que fingir que não vê para acompanhar o marido) e outros que de alguma maneira se relacionaram com o japonês que deu início a tudo. Não demora muito e a quarentena parece pior do que um campo de concentração nazista: imundície por todos os lados, banheiros podres, urina e fezes espalhados pelos corredores.
Como se não fosse o bastante, um homem que se denomina o Rei da Ala 3 (Gael Garcia Bernal) decide tomar o controle da comida destinada aos doentes. Ele possui uma arma, o que o habilita a tomar o poder e infligir horrores que só alguém com a alma cega poderia impor.
Temos em Ensaio Sobre a Cegueira uma alegoria genial, filmada brilhantemente e contada com perfeição que até as cenas mais polêmicas e antecipadas semanas antes do lançamento são vistas como sequência (e consequência) de tudo o que se viu até ali. Há momentos nos quais a brancura das imagens é tão clara que até o espectador se sente cego, compartilhando do desespero dos personagens. Em uma cena emblemática, o menino que se perdeu dos pais depois de ter perdido a visão está andando pela enfermaria da quarentena, certo de que perto da porta de saída há uma cama baixa, e é o que nós vemos; mas logo que se aproxima do que seria a cama, a imagem mostra uma mesa alta, enganando não apenas o ator, mas a todos os que viram primeiramente a cama. Um toque de gênio, dentre os muitos artifícios que Meirelles usa para envolver o público.
Julianne Moore, com sua atuação contida a princípio e cheia de energia e vitalidade posteriormente, merece um Oscar. Prêmio que não deve ganhar, uma vez que o filme foi um fracasso na terra do Tio Sam.
Em suma, o que se enxerga em Ensaio Sobre a Cegueira é muito mais do que mais um filme apocalíptico.
Pode haver lágrimas, asco, risos, rancor, mas no fim o que prevalece neste filme é a esperança.
Boa noite, Filipe. Antes de mais nada, agradeço por me incluir em seu texto, colocando-me como uma boa companhia. O mesmo digo de você, e mais, ter sua mente por perto foi indispensável pra entender certas jogadas do diretor.
Ainda não li o romance, mas como é de praxe, é bem melhor que o filme, pelo fato de que a imagem tem limites, a imaginação, não.
Seu texto está ótimo. O filme é muito bom. E essa é a opinião de uma pessoa que não entende muito de cinema, mas tem total consciência do quão breve é sua vida, que enfrentou 130 km de estrada pra chegar ao cinema mais próximo e que faz idéia do prejuízo que dá perder duas horas vendo um filme ruim.
abraço.
sem mais,
eliasdesouza